Série: Papo Químico (Resveratrol)

Hoje vamos falar do resveratrol, um composto naturalmente presente nos vinhos cujo consumo está associado a potenciais benefícios à saúde. O resveratrol é um composto fenólico, ou seja, em sua estrutura química apresenta anéis aromáticos ligados a hidroxilas. Ele está presente principalmente na casca das uvas em quantidades que variam de acordo com a variedade, região, clima, técnica de produção do vinho e outros fatores.
Os estudos com o trans-resveratrol, que é a forma isomérica mais abundante, iniciaram-se na década de 80 quando os pesquisadores começaram a investigar quais mecanismos estariam associados à redução de mortalidade cardiovascular proporcionado pela dieta Mediterrânea, que incluía o consumo regular e moderado de vinho tinto. A partir desse período muitas pesquisas foram conduzidas, utilizando-se desde modelos celulares até estudos clínicos com animais e humanos. Até o momento, alguns mecanismos de ação foram evidenciados em células e animais.
Falaremos brevemente dos efeitos que apresentam maior consenso científico. Entretanto, é preciso deixar claro que apesar da associação do consumo moderado de vinho tinto e da própria comercialização do trans-resveratrol como suplemento em farmácias ter aumentado nos últimos anos em função desses potenciais efeitos benéficos, faltam estudos em humanos que possam confirmar essas pesquisas experimentais.
Um artigo publicado por dois pesquisadores da Harvard Medical School em 2006 explica como o trans-resveratrol, utilizado como suplemento alimentar ou ingerido através do vinho, age na proteção cardiovascular. Outros artigos mais recentes aprofundam informações bioquímicas e metabólicas, mas ainda são conflitantes quanto a outros benefícios além destes aqui resumidamente apresentados:

Redução da agregação plaquetária: A agregação das plaquetas no sangue pode levar à formação de trombos, que podem obstruir a artéria causando infarto ou acidente vascular. Observou-se que o trans-resveratrol pode agir da mesma forma que a aspirina, seletivamente inibindo enzimas pró-coagulantes como a COX-1 e ativando enzimas anti-coagulantes como a COX-2.

Promoção da vasodilatação: Assim com a formação de trombos acima citada, a constrição dos vasos sanguíneos também contribui para a ocorrência de eventos cardíacos. O óxido nítrico (NO) é um potente vasodilatador produzido através de uma enzima chamada eNOS. Estudos têm evidenciado que o trans-resveratrol aumenta a expressão da eNOS, contribuindo assim para aumentar a síntese de NO e a vasodilatação. O trans-resveratrol também inibe a atividade de uma importante enzima (NOX) que atua na parede dos vasos e é responsável pela formação de espécies reativas de oxigênio (ROS), ou seja, moléculas ávidas por elétrons capazes de causar vários danos nas células quando formadas em excesso. Um desses radicais (ânion superóxido) reage com o NO, inibindo a vasodilatação. Assim, inibindo a NOX, o trans-resveratrol também favorece a vasodilatação, reduzindo a ocorrência de eventos cardiovasculares.

Redução da oxidação excessiva no organismo: O excesso de ROS no organismo induz a uma alteração na molécula de LDL-colesterol. Esse LDL modificado dá início à formação das placas ateroscleróticas. O trans-resveratrol pode neutralizar parte dessas ROS, reagindo diretamente com elas, ou melhorando os sistemas de defesa antioxidante do nosso organismo, que por sua vez, irá neutralizá-las, evitando assim a formação das placas. O trans-resveratrol tem sido encontrado dentro de partículas de LDL em humanos após o consumo de vinho.

Embora outros benefícios tenham sido observados após o consumo de trans-resveratrol, tanto através do vinho como na forma de suplemento, os resultados são ainda controversos. De qualquer forma, estes resultados já sugerem que o consumo moderado de vinho ou do suplemento parece favorecer a saúde cardiovascular!

 

Inar Castro é engenheira Agrônoma pela ESALQ (USP), com mestrado em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), doutorado e pós-doutorado em Nutrição Humana pela FCF (USP). Atualmente é Professora Associada (nível 3) junto a FCF-USP, sendo responsável por disciplinas na graduação e pós-graduação. Tem cerca de 80 artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais.

Artigo: Bauer, J.A. & Sinclair D.A. (2006) Therapeutic potential of resveratrol: the in vivo evidence. Nat Rev Drug Discov. 5(6):493-506.